Segundo o brasileiro Goldfajn, o montante destinado pelo banco à sustentabilidade passará de , nos últimos dez anos, para , na próxima década. Na carta de beneficiados, há variedade: serão para a conservação do arquipélago de Galápagos, no Equador, e para Recife reformar seu sistema de drenagem e contenção de encostas. Serão para a descarbonização da República Dominicana e para pequenos e microempreendedores sustentáveis na Amazônia brasileira. Em meio a questionamentos e pedidos de reforma de líderes globais, entre os quais o presidente brasileiro , os bancos multilaterais como o ou o têm sido questionados sobre seu empenho em garantir investimentos em sustentabilidade econômica e ambiental. Goldfajn admite a necessidade de reformas, mas as atrela ao processo de entendimento dos governos e da sociedade sobre a urgência da discussão climática. Eleito para a presidência do banco depois que seu antecessor, Mauricio Claver Carone, indicado por Donald Trump, foi retirado do posto por escândalos corporativos, Goldfajn fez campanha defendendo que o fosse mais técnico e menos ideológico. Ele próprio, porém, quase foi alvejado politicamente na transição entre o governo Bolsonaro e o governo . A COP28, cúpula do clima das Nações Unidas, é presidida pelo Sultão Ahmed Al Jaber — Foto: EPA via BBC Ex-presidente do Banco Central de , Goldfajn viu sua candidatura ao ameaçada por uma declaração do ex-ministro da Fazenda de , Guido Mantega, sugerindo que a escolha do brasileiro, o primeiro a ocupar a presidência do banco, fosse postergada. Então presidente eleito, desfez o mal-estar mais tarde ao mandar recados de que não se opunha ao nome de Goldfajn. Prestes a assumir a presidência do grupo de bancos multilaterais globais, Goldfajn tenta manter um perfil politicamente discreto e se recusou, por exemplo, a comentar as possíveis reformas monetárias – como a dolarização – que o recém-eleito presidente da Argentina, , prometeu fazer. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à BBC News Brasil na sala da presidência do , na sede do banco, em Washington D.C. Lula é um dos líderes globais que tem cobrado reformas e investimentos para lidar com mudanças climáticas. — Foto: EPA via BBC Eu acho que cada um tem que fazer sua parte. O que está claro é que o desafio é grande, que precisa levar em conta os vários aspectos do desenvolvimento, como a sustentabilidade social, a questão da pobreza, a questão do clima, a sustentabilidade econômica. E os bancos multilaterais são um reflexo de todo mundo, de todos nós, dos governos, da nossa capacidade de enfrentar o desafio. Quando se fala em reformas dos bancos, eu diria que é uma nova visão global do que a gente quer fazer em relação ao clima, porque obviamente muitas vezes os recursos você tem disponível depende da capacidade que você tem na capitalização, de poder trabalhar, dos limites que te dão, na capacidade de risco que você tem para tomar. Obviamente tem muita coisa para melhorar nos bancos multilaterais, é preciso tornar as coisas muito mais eficientes, olhando para o impacto, usando os recursos melhor, usando o balanço do banco da melhor forma. Então tem o lado de eficiência, mas tem um lado do sistema todo olhar e dizer ‘a gente está fazendo suficiente?’. Acho que a gente tem um chamado do G20, que já faz algum tempo, que é o de triplicar os recursos disponíveis para o financiamento climático. E a gente quer anunciar que nós vamos para US$ 150 bilhões de financiamento destinado pelo banco para mudanças climáticas em uma década. Há 10 anos eram só US$ 50 bilhões e nós vamos triplicar e já anunciar que a gente se comprometeu com essa visão do G20. Eu não conheço nenhum outro banco multilateral que tenha feito esse anúncio, então, a gente está disposto, na COP, a liderar esse processo. A captação acho que ela vem já dos nossos recursos, a gente consegue a partir dos próprios recursos financiar esse montante. Nós temos já uma projeção de crescimento da capacidade empréstimo tanto pela forma como a gente tem usado o nosso balanço como na capitalização do Investe (o recém-lançado braço de financiamento em sustentabilidade do banco voltado para parceiros privados). A gente está conseguindo aumentar bastante o quanto vamos emprestar e uma boa parte disso pode se deslocar para o financiamento climático. Primeiro, sempre se aumentou muito, não é que não está aumentando. Começou de um nível lá em 2013, por exemplo, emprestava-se um bilhão de dólares, você vai aumentando e chega a US$ 11 bilhões no final do da década. Então você já tem um esforço que não começou hoje. Houve esse esforço nos últimos 10 anos, mas acho que também é verdade que há um amadurecimento sobre a questão do aquecimento global, já está muito claro que a região está enfrentando uma quantidade de choques climáticos. O tempo todo há secas, furacão, queimadas. Todo mês tem alguma coisa, a gente acabou de ajudar o México com a questão de Acapulco, a gente enfrentou as secas no Uruguai e na Argentina. Então acho que a questão do aquecimento global ficou muito mais evidente e, portanto, o mundo todo está mais consciente disso. Elevação do nível do mar tem expulsado moradores nas costas de países como o México. — Foto: Reuters via BBC Algumas coisas já foram definidas. Por exemplo, a gente tem US$ 400 milhões de parceria com a agência francesa de desenvolvimento para a República Dominicana para definição das políticas climáticas de descarbonização deles. Nós investimos US$ 325 milhões em Recife para melhorar a infraestrutura da cidade para não ser afetada como foi há pouco tempo atrás com as chuvas e os desmoronamentos. A gente tem o Amazônia Sempre, que é um programa guarda-chuva que olha o financiamento da natureza em oito países, onde há projeto desde a bioeconomia no Equador, que é um projeto de atividade alternativa para as pessoas, até US$ 750 milhões de dólares para a Amazônia que é um projeto em parceria com o BNDES que foi anunciado dentro do da Coalizão Verde. A gente tem projetos de combate ao desmatamento na Colômbia, projeto de desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas, então estou dando exemplos bem concretos. E também tem coisas ligadas à inovação financeira. Nós fizemos a maior troca de dívida com o Equador para proteger Galápagos. Foi US$ 1,2 bilhão para proteger Galápagos. Mas é uma dívida, você troca a dívida ruim por títulos de dívida boa e a gente garante que os recursos sejam investidos em Galápagos. A gente tem vários empréstimos ligados a uma cláusula que garante que, no caso de um evento climático, haja uma postergação do pagamento. Fizemos empréstimos assim com Barbados, com Bahamas, com Honduras. E temos também o nosso Projeto Clima que determina que, se o país atingir as metas (de redução de emissão de CO2), o custo da dívida cai. É um incentivo enorme para fazer para atingir metas climáticas. Eu divido em dois grupos, de um lado projetos específicos de desmatamento, bioeconomia, desenvolvimento sustentável, política climáticas, e de outro inovações financeiras de conversão de dívidas e cláusulas de incentivo como o Projeto Clima. Quando você junta essas duas coisas, dá esse valor de US$ 150 bilhões que estamos anunciando. Tem dois eixos principais. O primeiro eixo é escala, a gente fala de triplicar (o montante), de para onde vai exatamente, qual é o tamanho, porque o desafio é grande e você tem que se conscientizar, amadurecer, ter uma percepção do sistema de que todo mundo está caminhando para o mesmo lado, porque senão não chegaremos lá. Então, escala. Mas o outro eixo é impacto. É garantir que os recursos de fato vão ter o impacto que você precisa. E aí você precisa trabalhar o impacto de várias formas: primeiro, saber se os projetos que você está fazendo são nas áreas fundamentais. Segundo, se os recursos que você está colocando tem um impacto que você está pretendendo. O terceiro é trabalhar a questão da capacidade dos países de implementar, porque muitas vezes você pode dar os recursos e os países não têm a capacidade e os projetos não saem, então nós estamos cada vez mais falando em programas de facilitação de projetos, você (enviar junto ao financiamento) recursos técnicos, com pessoas ajudando a fazer os projetos. Antigamente, a gente fazia o cruzamento para alguém cabecear. Agora a gente bate o cruzamento e corre também para ajudar a cabecear. De um lado financiando e do outro lado do projeto ajudando a fazê-lo. Não tem ponta solta. Vamos pensar, por exemplo, no programa Amazônia Sempre, onde eu quero diminuir o desmatamento. Com isso, quero que mais gente na região esteja associado aos programas de bioeconomia, que é uma economia sustentável da região. Preciso que as cidades da região tenham uma infraestrutura maior, que mantenha as pessoas na cidade, preciso de mais saneamento para essas pessoas, eu preciso de mais agricultura familiar. São várias medidas muito claras. Outro exemplo, o Descarboniza Pará, que é o acordo que a gente tem com o governo do Pará, lembrando que Belém vai sediar a COP30, para trabalhar com meta de carbonização e como trabalhar isso. As medidas são muito claras: redução de emissão de CO2, queda nas taxas de desmatamento, número de pessoas empregadas em atividades sustentáveis, expansão do saneamento básico na Amazônia, então é muito claro o impacto. Eu acho que a gente tem que sair dessa ideia de só triplicar recursos. Claro, aumentar é importante. Mas triplicar para que? Tem que ter impacto, porque você aumentar o tamanho não significa que você faz melhor. E você fazer melhor sem ter o tamanho também não é suficiente. Está cada vez mais claro que é um falso paradoxo, porque a forma de pensar no passado, onde você tem que concentrar no desmatamento e financiar as pessoas para não desmatar, ficou para trás. Trabalhar a natureza, a biodiversidade é trabalhar a economia. Se você não der alternativa para as pessoas, isso não é sustentável. Nós temos que oferecer uma atividade econômica onde as pessoas se sintam úteis, que gerem renda, que tenham emprego. Nós já descobrimos que a forma de financiamento sem olhar as pessoas não funciona. Então no Programa Amazônia sempre temos 5 eixos: um, monitorar o desmatamento; segundo, observar os índices de desenvolvimento humano; terceiro, aumento de atividade econômica; quarto, infraestrutura urbana; e quinto, agricultura familiar. Você só resolve o problema se atacar tudo junto. E, se trabalhar tudo junto, já não há paradoxo. Pensando de um modo mais macro, a questão da sustentabilidade é também uma oportunidade para a região. O que temos de vantagem na região é justamente o que o mundo precisa, a capacidade de produzir energia limpa. A gente muda um pouco a dinâmica que era de “vem investir aqui, somos bons, te prometo rentabilidade” para algo mais na linha de uma troca: a Europa precisa de hidrogênio verde e muito. Onde é que ela está vindo buscar? Na América Latina. E, uma vez que eles vêm com essa demanda firme, gera uma oportunidade de negócios que está explodindo, então nós estamos com países pedindo “me ajuda a financiar”, “me ajuda a fazer”, “fecha um acordo”. Estamos falando do Chile, do Uruguai, do Brasil. Virou um grande negócio. Pensando nessa questão da sustentabilidade e problema social, o paradoxo que existia antes, na nova configuração, virou uma oportunidade. Eu não vejo como uma panaceia, porque as oportunidades existem, mas elas têm que ser aproveitadas. Não é de hoje na América Latina que aparece uma oportunidade que passa, que é perdida. Então o que nós temos que fazer, e esse é o trabalho do , junto com os países e os governantes, é olhar a oportunidade que está passando na frente e aproveitar de fato. A questão do hidrogênio verde: vai gerar um monte de investimento e um monte de emprego. Mas se você não olhar para isso e não enxergar a oportunidade, você não vai fechar contratos, não vai organizar, não vai tomar um financiamento do para investir – e aí daqui a alguns anos o trem passou. Nós temos que olhar a região como uma oportunidade, como o mundo precisando da América Latina e do Caribe e como a região é parte da solução das questões globais. Começando pelo fim: existem dois tipos de rentabilidade. Uma é econômica, e outra é ambiental/social. Muito do que a gente quer da rentabilidade é uma rentabilidade que vai além do resultado do projeto específico. A gente chama isso de externalidades, ou seja, o que você gera para o meio ambiente em retorno vai muito além do projeto em si. Na verdade, se você não tiver um planeta, não adianta ter retorno (financeiro) porque não vai existir. Na verdade, é o exemplo mais claro onde o rendimento privado não é igual ao rendimento público. O rendimento público é manter o planeta e, se não tem planeta, não tem rendimento privado. E é por isso que bancos públicos, com recursos públicos, estão investidos nisso. Aí entra a regulação. É preciso trabalhar os mercados de carbono, outros marcos para gerar a mobilização, e o capital privado vem. Você tem que trabalhar com o ambiente para gerar o investimento privado, mas também investindo onde você acha que o mercado talvez não vá ter o retorno que gostaria e não vai entrar, porque o retorno social é difícil de incorporar (aos resultados).