Embora pareça ser um assunto para governos, entidades, cientistas, a preocupação com as mudanças climáticas deve ser uma tarefa de todos. E uma das formas de cada pessoa ajudar é por meio da reciclagem e da reutilização de produtos. E foi com essa consciência ambiental que a maranhense Jacirene França decidiu se lançar em uma missão que agrega empreendedorismo e sustentabilidade. Há cerca de quatro anos ela largou o emprego de consultora em processos industriais, em uma instituição privada, e abriu um brechó, na cidade de , na Região Metropolitana de . O que poderia ser apenas a venda de roupas usadas, se tornou um negócio voltado ao resgate da autoconfiança feminina, ao empoderamento, a adoção de moda sustentável e, principalmente, ao consumo consciente, por meio da moda circular. Consultora deixa emprego formal para abrir brechó: ‘é mais que vender roupas usadas, é empoderamento, moda sustentável e consumo consciente’ — Foto: Robson Diniz Um ideal que nasceu na infância Em entrevista ao , a empreendedora conta que, desde a infância, já se via envolvida no consumo de roupas usadas. Nascida no interior do Maranhão, na cidade de , a 417 km de São Luís, a empresária teve uma infância humilde e contava com a doação de roupas usadas para se vestir. Além das roupas usadas, Jacirene teve contato com a costura logo cedo, pois a mãe dela decidiu trabalhar com costura, mesmo sem ter estudo ou experiência, para poder criar os filhos. E foi desse contato com a reutilização de roupas, calçados e a costura artesanal, que Jacirene foi construindo um ideal de empreender nesse ramo. “Eu venho construindo minha trajetória profissional sempre ali dentro desse universo da roupa. Todas as minhas experiências se somaram para eu chegar à decisão de empreender com brechó. Isso faz parte da minha vivência, da minha história, das minhas experiências profissionais, da mentalidade que eu tenho”, destaca. Entre 2014 e 2015, após participar de um projeto sobre moda, foi que Jacirene começou a ter contato com pesquisas e tendências de mercado, em que a moda circular se sobressaia enquanto modelo de consumo consciente em meio a uma indústria marcada pelo descarte. Jacirene participou da coordenação do Inova Moda, ação do em parceria com o . A experiência fez com que ela decidisse empreender com o propósito de contribuir com as pessoas e o planeta, mais do que somente obter lucro. “Pretendemos sensibilizar as pessoas. Cada um tem um papel importante e pode contribuir e muito”, defende. Com essa nova visão, a consultora decidiu que queria trabalhar com moda circular. “Nesse período, em 2015, eu passei a ter uma visão mais ampla sobre o mercado de moda em geral, desde a pesquisa de mercado e comportamento de consumo e tendência, até o varejo e o pós-consumo. E nesse período a gente já ouvia falar de moda circular e eu me encantei pelo tema e comecei a estudar muito e passei a ter uma visão muito diferente sobre o mercado de moda e de brechó, que havia uma tendência de crescimento até 2028. O que está sendo confirmado, porque os brechós têm crescido muito”, relata. Consultora deixa emprego formal para abrir brechó: ‘é mais que vender roupas usadas, é empoderamento, moda sustentável e consumo consciente’ — Foto: Robson Diniz E foi a partir dessa nova visão, que Jacirene decidiu empreender, trabalhando com brechó. Porém, antes de largar tudo e abrir o negócio, ela investiu nos estudos. Nessa ápoca, a maranhense tinha concluído um mestrado na área ambiental e passou a estudar sobre economia circular. Durante três anos, Jacirene França permaneceu no emprego e, paralelo a ele, ficou estudando, desenhando o modelo e planejando seu brechó, até que em dezembro de 2018, ela pediu demissão e começou seu negócio em 2019. Consultora deixa emprego formal para abrir brechó: ‘é mais que vender roupas usadas, é empoderamento, moda sustentável e consumo consciente’ — Foto: Robson Diniz Os estudos e a dedicação em empreender renderam a Jacirene França um excelente currículo. Ela é designer e especialista em moda, consultora em processos industriais e personal stylist, Mestre em Engenharia Ambiental, doutoranda em Engenharia Ambiental, MBA em Gestão de Processos Industriais, empresária e apaixonada pelo empreendedorismo no pós-consumo. Vencendo a pandemia No início dos negócios, entre 2018 e 2019, o Brechó Mulheres funcionou apenas de forma online e, no final de 2019, Jacirene inaugurou a loja física, porém, veio a pandemia. Mas, o que poderia ser um fator que comprometeria o andamento do negócio recém-criado, tornou-se uma oportunidade. “Nós fechamos as portas, mas continuamos trabalhando, foi o ano que a gente mais trabalhou, porque busquei saídas dentro do meu conhecimento. A gente não conseguiu vender roupas, mas consegui confeccionar, fazer máscaras, consegui pegar roupas usadas e customizar e das sobras eu fazia máscaras. Isso foi uma estratégia que deu muito certo. A gente trabalhou o ano de 2020 inteiro. Então, 2020 e 2021 foram anos de crescente e, 2022, foi o melhor ano da minha vida, vendemos demais, conseguimos crescer mais de 150%. E em 2023 estamos na luta, sempre se reinventando, criando estratégias e sim a gente tem conseguido crescer e é um negócio que a gente tem metas e sabe onde quer chegar”, destaca. Consultora deixa emprego formal para abrir brechó: ‘é mais que vender roupas usadas, é empoderamento, moda sustentável e consumo consciente’ — Foto: Robson Diniz Uma grande aposta da empreendedora é investir na divulgação pelas redes sociais. A empreendedora conta que, no início ela tinha muita dificuldade em se mostrar nas redes para divulgar seu negócio, mas se capacitou, por meio de uma imersão, que a fez quebrar essa barreira e entender que precisava dar a cara, se soltar mais, fazer o seu negócio de uma forma diferente. Desde então, Jacirene planeja o conteúdo, grava, edita, publica, faz tudo para conquistar seu público na internet. “A gente tem sempre buscado estratégias, observando o que está acontecendo e tentando aplicar ao negócio. A gente fez lives e conseguimos alcançar diversos clientes no Brasil inteiro. A gente faz duas lives por semana, sempre com tamanhos diversos, estilos diversos e com muita informação. Então eu agrego muito o conhecimento que eu tenho com tecido, modelagem, acabamento, isso faz muita diferença”. Vencendo o preconceito Consultora deixa emprego formal para abrir brechó: ‘é mais que vender roupas usadas, é empoderamento, moda sustentável e consumo consciente’ — Foto: Robson Diniz Quando se fala em brechó ainda há quem não goste de utilizar esse tipo de produto por “vergonha de usar coisa usada”. E foi esse tipo de desafio que Jacirene precisou vencer quando decidiu abrir sua loja, pois, apesar de ter começado seu negócio no momento em que se discute a necessidade de consumo consciente, a empresária destaca que muitas pessoas ainda não têm uma “mentalidade aberta” em relação ao brechó. Mas, apesar dessas barreiras, Jacirene afirma que a paixão que tem pelo seu trabalho a motiva a continuar investindo em moda circular. A empresária destaca que não desistiu do seu negócio porque optou trabalhar naquilo que ela conhecia. A bandeira levantada pela empresária tem respaldo nas diversas pesquisas que apontam a moda como sendo a segunda indústria que mais consome recursos hídricos e é responsável por 10% de toda a emissão de carbono do planeta. E em meio a esse caos gerado pelos gases poluentes na atmosfera que tem feito o mundo sofrer com altas temperaturas, investir em moda circular se tornou uma forma de tentar reduzir esses efeitos catastróficos. Atualmente o slow fashion é tendência e é um movimento que vai na linha contrária do Fast Fashion, que é a produção em larga escala de produtos de moda, o que contribui para o desperdício. O objetivo do slow fashion é reduzir o consumo de roupas, pois elas poluem o meio ambiente. Mas, Jacirene analisa que esse tipo de consumo não se refere apenas a usar roupas e sapatos usados, é um movimento que precisa ser planejado. “As pessoas precisam entender que moda circular não é só a moda que vai circular entre parentes ou quando você descarta e manda para o brechó. Essa moda precisa ser pensada, planejada. A pessoa tem que ter conhecimento sobre o que vai escolher, que não são apenas os brechós. Os brechós não irão resolver o problema de descarte da quantidade de roupas cada mais descartadas em virtude desse modelo de moda que temos, que é o fast fashion, que produz cada vez mais, que não consegue vender tudo e o que sobra eles descartam de qualquer maneira. O conceito de economia e moda circular precisa ser consciente, precisa ser estratégica e coletiva”, avalia. Microempreendedora individual Além da preocupação em contribuir com um planeta mais sustentável, Jacirene também tem o objetivo de crescer profissionalmente no mercado de moda circular. Desde que pensou em criar o brechó, a empresária afirma que entendia a importância de formalizar seu negócio. Para isso ela se registrou como Microempreendedora Individual (MEI), passando a ser uma profissional autônoma. Por meio do MEI, o empreendedor passa a ter um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), o que permite a emissão de notas fiscais, facilidade na abertura de conta bancária e pedidos de empréstimos, além de ter os direitos e deveres de uma pessoa jurídica. O MEI também tem benefícios previdenciários como aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, salário-maternidade, auxílio-reclusão, pensão por morte). Um outro importante benefício para o microempreendedor individual é poder contar com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que oferece cursos, oficinas, capacitações, palestras, consultorias, planilhas e aplicativos para auxiliar tanto o microempreendedor individual, como micro e pequenas empresas, além de quem pensa em abrir seu negócio. Jacirene conta que já conhecia o Sebrae desde que trabalhou no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e sabia que ele atuava no apoio a negócios, a empreendedores e que poderia ter o Sebrae como parceiro. Com o apoio do Sebrae, a empreendedora tem tido a oportunidade de participar de diversos projetos e eventos que têm contribuído com sua capacitação e o sucesso do seu negócio. “Em 2019 eu tive a oportunidade de fazer parte do projeto ‘Delas’, que é voltado para mulheres. Entrei no projeto de economia criativa e esses dois projetos me fortaleceram demais, me direcionaram a várias possibilidades, contatos, networking, capacitações, enfim, foi muito interessante. E eu nunca deixei de participar. Recentemente participei do Prêmio Mulher Empreendedora. Fui convidada para participar de uma palestra para me posicionar em relação ao tema ‘economia circular’, na Feira do Empreendedor, enfim, sempre que tem uma oportunidade eu faço parte, porque o Sebrae é uma instituição que nos dá muita base, acrescenta muito no nosso desenvolvimento, principalmente quem é MEI”, analisa. Jacirene França em evento do Sebrae na Expo Indústria Maranhão 2023. — Foto: Divulgação/Sebrae-MA Em meio ao seu processo de capacitação, o Sebrae tem investido nas discussões sobre moda circular. Um exemplo disso foi um . Três mulheres, que realizam trabalhos expressivos em moda sustentável no Maranhão, debateram sobre a importância e os desafios enfrentados pelo segmento. Moda circular no Maranhão Segundo o Sebrae, com dados da Receita Federal, , que inclui brechós, assim como moedas e selos de coleção, revistas, livros, móveis, utensílios domésticos e eletrodomésticos de segunda mão. O Sebrae destaca que esse número aumenta consideravelmente se forem incluídas empresas que cadastraram o mesmo CNAE como atividade secundária. No total, são 1.026, dessas 748 Microempreendedores Individuais (MEIs), 233 Microempresas (MEs), 31 Empresas de Pequeno Porte (EPPs) e apenas 14 de médio ou grande porte.